A inclusão da
gordura trans na rotulagem, em meados da década passada, trouxe consigo um
dilema: os itens que entram no carrinho do supermercado têm ou não têm gordura
trans? Em tese, bastaria examinar a tabela nutricional, ou seja, se a
quantidade exibida é maior que zero, tem. Se não houver número nenhum, não tem.
No entanto, não foi isso que mostrou uma pesquisa da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC) num trabalho de mestrado defendido em 2011 e publicado
este ano em uma revista científica internacional.
A
nutricionista Bruna Maria Silveira comparou a tabela com a lista de
ingredientes de 2.327 embalagens de alimentos coletados num grande supermercado
de Florianópolis. Metade deles tinha entre os ingredientes algum composto
com gordura trans, mas apenas 18% traziam um número maior que zero na tabela
nutricional.
No Brasil,
desde 2006 a legislação obriga que o conteúdo de gordura trans seja apresentado
no rótulo dos alimentos industrializados. No entanto, a presença só deve ser
descrita se for acima de 0,2g de gordura trans por porção do produto, o que
pode mascarar a notificação de presença ou ausência da substância nos
alimentos.
A regra
permite que um biscoito feito com gordura vegetal hidrogenada e porção sugerida
de 30 gramas (o que às vezes equivale a 2,5 biscoitos) tenha sempre o “zero
trans” na tabela. Assim, quem lê apenas a tabela nutricional, ao comer 5 ou 8
biscoitos estará ingerindo gordura
trans, sem saber .
Descrições
equivocadas e dúvidas
A análise
realizada em rótulos de 2.327 alimentos industrializados encontrou 14
denominações para designar a gordura trans na lista de ingredientes – desde a
mais comum, como “gordura vegetal hidrogenada”, até descrições equivocadas na
denominação química, como “óleo vegetal líquido e hidrogenado”.
O estudo
permitiu também a observação de nove denominações que deixam dúvida sobre o
conteúdo de gordura trans, como “gordura vegetal” ou “margarina”.Mas a
denominação gordura vegetal ou margarina pode representar que o alimento contém
gordura trans”, esclarece a nutricionista.
Segundo ela,
aproximadamente metade (51%) dos produtos alimentícios analisados citava
componente com gordura trans ,apenas, na lista de ingredientes. Poucos produtos
(18%) citaram algum conteúdo de gordura trans no quadro da informação
nutricional e 22% dos alimentos destacaram na parte da frente rótulo frases com
o sentido de “não contêm gordura trans”.
“A
concordância entre a presença de gordura trans na lista de ingredientes e a
presença de gordura trans no quadro da informação nutricional foi muito baixa
(16%) significando que observar a presença de gordura trans no quadro de
informação nutricional é pouco seguro para determinar se o alimento contém esse
tipo de gordura”, alerta a profissional.
Seu estudo
mostra também que entre os alimentos que tinham destaque na frente do rótulo
“não contém gordura trans”, a concordância com lista de ingredientes foi nula
(0%). Significa que essas frases de destaque não indicam que o produto é livre
de gordura trans. Ela ressalta ainda que a cada 10 produtos que diziam não ter
gordura trans, somente em quatro deles este tipo de gordura não tinha sido
realmente usado segundo a lista de ingredientes.
“Os
resultados indicam que não se pode considerar apenas o quadro da informação
nutricional e o destaque de “ não contêm gordura trans” para saber se o
alimento industrializado tem ou não gordura trans. Além disso, sua pesquisa
indica que, mesmo consultando a lista de ingredientes para detectar a
presença da gordura trans, nem sempre esta informação está clara pelo uso de
diversas denominações para a gordura vegetal hidrogenada.
Na avaliação
da autora do trabalho, os resultados podem ser analisados como em desacordo e
confusos em relação a rotulagem nutricional e o direito do consumidor em ser
informado. Além disso, os produtos podem afetar a saúde da população e,
consequentemente, causar impacto nos serviços de saúde do país.
O estudo
mostra a necessidade de reformulação na legislação brasileira sobre a rotulagem
nutricional para os produtos alimentícios no que diz respeito à notificação da
gordura trans por porção na informação nutricional e revela a ausência e
padronização de denominações de gorduras na lista de ingredientes.
Saiba mais
sobre a gordura trans
A gordura é
uma classe dos lipídios formada por
moléculas com grandes cadeias de átomos de carbono que armazenam muita
energia, por isso são uma das reservas do nosso corpo. Dividem-se em dois
grupos: saturadas e insaturadas
No início do
século passado, a indústria alimentar tentou descobrir uma substância mais
saudável e barata que a gordura animal (saturada), para a fabricação de massas,
pães e outros. A solução foi aparentemente simples: forçar o rompimento das
ligações duplas da gordura vegetal (insaturada), gerando um sólido. Como fazer
isso? Adicionando átomos de hidrogênio para se ligarem aos carbonos com duplas
ligações, transformando-as em duas simples, em um processo chamado de
hidrogenação. Nasceu aí a gordura vegetal hidrogenada.
A partir da década de 80, ganharam força as
evidências de que a gordura hidrogenada poderia ser ainda menos saudável que a
gordura saturada. O motivo: na hidrogenação industrial, nem todas as ligações
duplas são eliminadas e as restantes formam um ângulo muito pequeno, o que em
química se reconhece pelo prefixo “Trans” – daí o nome “gordura trans”.
Há dois tipos de gordura trans, com
características e funções diferentes no organismo humano.
- A
gordura trans industrial é um tipo de gordura criada em laboratório e
muito utilizada pela indústria de alimentos para dar a textura, sabor e
aumentar a validade dos alimentos, mas que o organismo humano não reconhece e
acaba afetando o seu funcionamento normal. As doenças associadas ao consumo
desse tipo de gordura são principalmente as doenças do coração, excesso de peso
, diabetes, aumento do colesterol LDL (
ruim) e redução do colesterol HDL (bom). As pesquisas demonstram também
influência em certos tipos de câncer, problemas fetais e infertilidade.
- A gordura
trans natural, também denominada CLA, é aquela contida em alimentos
oriundos de animais ruminantes, como leite e carne bovina. Este tipo de gordura
é consumido há séculos pelo ser humano e sem prejuízos à saúde.
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